Memórias e Raízes

segunda-feira, dezembro 31, 2012

UM OLHAR NO PASSADO



Após a independência do Brasil com o brado  "Liberdade ou Morte" proferido pelo Príncipe Regente D. Pedro no dia 7 de Setembro de 1822 nas margens do riacho Ipiranga, perto de S. Paulo, Portugal lançou-se na implementação de políticas de ocupação e desenvolvimento dos seus territórios africanos visando construir em Angola um segundo Brasil com população reinol.

O esforço requeria uma vontade férrea face aos parcos rendimentos de um reino empobrecido, endividado e com grandes défices orçamentais. Os céticos opinaram o abandono puro e simples dos territórios e acabar com o Império. Se isso acontecesse, provavelmente, o Brasil ocuparia o espaço deixado pelos portugueses no que é hoje o território angolano devido ao peso que o tráfego de escravos exercia na economia do País e à influência dos traficantes lá fixados. O orgulho nacional fez avançar o projeto do império que tinha como objetivo a auto-suficiência desses territórios ultramarinos.

 Relevante e histórica a presença dos pescadores algarvios no Sul de Angola. O grande historiador olhanense Dr. Alberto Iria na sua obra "Os caíques do Algarve no Sul de Angola", relata a ação desenvolvida pelos pescadores algarvios no Sul de Angola com incidência no antigo Distrito de Moçâmedes, hoje Província do Namibe, obra única de pesquisa, que nos leva ao conhecimento de uma época de crescimento económico do distrito cuja dinâmica se deve em grande parte às gentes do litoral algarvio lá fixados, e, ao seu instrumento de trabalho, o rápido caíque. Um cidadão inglês que veio fixar-se em Portugal em 1793, refere-se às excecionais qualidades dos homens do mar do Algarve, frisando serem os preferidos em Lisboa como remadores nos serviços do arsenal, da alfândega, nos navios de guerra e nas reais embarcações de recreio; em Gibraltar, os escolhidos para os barcos da guarnição inglesa, e, de uma maneira geral, para não fugir à regra, os escolhidos nos portos pelo Mediterrâneo.  Eram uma presença no desenvolvimento da pesca e do comércio marítimo no litoral algarvio, no Mar do Larache em Marrocos, na costa Ocidental Portuguesa, no Mediterrâneo até ao Mar Negro. Íam do Algarve para o Sul de Angola em busca de outros mares, outras rotas, dirigidos pelos seus mestres, hábeis mareantes, destemidos, arrojados, intemeratos. Surgiria uma nova era de progresso no distrito de Moçâmedes com a fixação de populações nas praias a norte e a sul da vila, capital do distrito.

Consultando os arquivos locais, o Dr. Alberto Iria relata de forma exaustiva, o movimento de cabotagem feito por estes barcos algarvios, que asseguraram durante décadas, o transporte do peixe seco pela costa angolana, até ao Gabão, Congo Francês, S. Tomé e Ilha de Stª. Helena onde Napoleão fora deportado. Mestres na navegação ao longo da costa, eram experimentados na instalação e manuseio das artes de pesca, peritos nas formas de conservação do pescado.

 Fizeram de praias isoladas centros de pesca e criaram pequenas indústrias artesanais, como o óleo de fígado de cação e o de peixe seco que se tornou na grande indústria do distrito, que, por ser barato, passou a fazer parte da dieta dos africanos a juntar-se à fuba de milho e de mandioca, ao feijão, à batata doce, ao arroz ou a alguma carne que compravam ou obtinham da caça.

O peixe abundava em toda a costa. A pesca à linha rentável. Em 1868 já havia no Sul de Angola, mais do dobro das pescarias que os olhanenses lá encontraram à sua chegada. Eram dez naquele ano e, dessas, sete pertenciam à gente de Olhão.

Cerca de oitenta anos após a chegada dos primeiros caíques, surgiu um novo tipo de barco de pesca e um novo impulso no desenvolvimento económico no distrito de Moçâmedes. As redes enchiam agora  o bojo de traineiras  com toneladas de peixe; as mais pequenas com capacidade para 60 e 80 toneladas, as maiores de 120, uma de 150, propriedade do industrial Domingos Cuanhama, construída em Porto Alexandre nos estaleiros do portimonense José Alexandre em 1970 e duas de 200 toneladas que tinham como proprietário a empresa Ceal, construídas em Porto Alexandre nos estaleiros do vilacondense Carlos Sousa. Também a firma Sulangolana, Lda., mandara construir a sua, de 180 toneladas, mas esta em ferro. Compraria a Domingos Cuanhama a de 150 toneladas como estratégia para expansão de negócios. Era necessário abastecer as fábricas com pescado (matéria prima) para transformação em conservas, farinhas e óleos de peixe com destino aos mercados importadores, Alemanha e resto da Europa.
 
A traineira apresentada nesta foto tinha capacidade para 60 toneladas e pertencia à firma de Porto Alexandre "Tendinha & Irmão, Lda.; chamava-se "Harmonia", nome do caíque que pertencera à família Tendinha, de origem olhanense, nas primeiras décadas do séc. XX. Em 1976 agravou-se a guerra civil que assolava todo o território de Angola, com a sequente fuga da população. A população portuguesa ou de origem portuguesa que ainda permanecia preparou-se para abandonar o território. Urgia por a salvo o que restava de pessoas e bens.  O "Harmonia" juntou-se a outras traineiras para rumarem ao porto da Namíbia Walwis Bay. Deste porto houve quem rumasse ao Brasil fazendo-se transportar nos seus barcos de pesca. Dezenas de traineiras e alguns pequenos atuneiros partiram com destino à cidade de Portimão, no Algarve. A meio do percurso juntou-se-lhes o "S. Gabriel", barco de carga da Marinha de Guerra Portuguesa,  com combustível e mantimentos. Três dessas traineiras não chegaram ao destino, começaram a meter água e foram abandonadas e afundadas. Duas chegaram a reboque com os motores avariados. No Funchal, Ilha da Madeira, ficaram alguns atuneiros. No Algarve, "O Harmonia" mudou de nome, puseram-lhe "Miragem" porque havia outro barco de pesca com aquele nome; pescou na costa do Algarve e nos mares de Marrocos. As políticas europeias levaram-no ao abate quando prestava serviço nas pescas e se encontrava completamente restaurado pronto a novos desafios, acabando os seus dias com o nome de "Iona". Pertenceu sempre à família Tendinha, fixada em Faro e Olhão.

No auge do desenvolvimento da indústria dos derivados do peixe na década de 1960 até à fuga da  população, que se iniciou em 1975,  fuga essa devido à insegurança e ao caos imposto pela guerra civil que assolou todo o território angolano como já foi referido, a farinha de peixe era um dos produtos de maior exportação da ex-província portuguesa, provavelmente o segundo depois do café que chegou a ser a quarta produção mundial. A época das canoas, dos caíques e dos palhabotes à vela ficara no passado com testemunhos diretos a afiançarem um historial das suas existências.


Porto Alexandre, chamada pelos indígenas Bitolo Coroca e pelos ingleses Port Alexander, a Angra das Aldeias quando os portugueses  lá chegaram, hoje cidade de Tômbua, tornou-se no maior porto piscatório de Angola, e, no contexto africano, considerado um dos maiores da África Ocidental. Elevada a cidade em 1961 a população aumentava à medida que a indústria dos derivados de peixe se ía desenvolvendo. Fora um dos tais centros piscatórios fundado pelos algarvios de Olhão por volta de 1863 quando ali aportaram para se fixarem com seus barcos de pesca e suas casas de madeira.
A baía constituía um porto de abrigo seguro de águas normalmente tranquilas. Souberam coexistir com a hostilidade dos ventos ciclónicos do deserto, as garroas, que danificavam as frágeis casas de madeira que serviam de habitação.

Moçâmedes, a actual cidade do Namibe, cresceu e alindou-se. No espaço antes deserto arenoso e praia de areia solta, plantada depois de pescarias e estaleiros, nasceu uma marginal que ligava a baixa da cidade ao cais comercial no Bairro da Torre do Tombo,   e, em sentido contrário em direção às hortas desenvolveu-se um jardim com um kilómetro de extensão. Um matizado de plantas e flores emprestou-lhe o colorido. Tornou-se espaço de convívio da população aos domingos à tarde junto a um coreto que desapareceu subitamente e ingloriamente para dar lugar a um belíssimo tanque luminoso. Dos tanques jorravam repuxos de água. Corria um caramachão com bancos de madeira para os passeantes descansarem à sombra das bungavílias, e as palmeiras ofereciam-lhes o ar tropical.  Atrás, a pouca distância, o azul marinho de um mar plácido a convidar ao lazer nos dias de verão. Instituíram as Festas do Mar, em Março, com a sigla dos três Ms (Moçâmedes, Mar e Março). A cidade é uma esquadria de ruas direitas e travessas a fazer lembrar a cidade pombalina de Vila Real de Santo António no extremo algarvio banhada pelo rio Guadiana com vista para a cidade de Ayamonte situada na outra margem, em Espanha.


Resta-nos saudar cá de longe do tempo a época áurea dos caíques, das canoas de pesca e dos palhabotes, os pioneiros da barca D. Ana da primeira leva da corrente migratória que se gerou a partir de Olhão em 1860, Francisco de Sousa Ganho, pai e filho, este apenas com 9 anos de idade, a esposa e mãe Maria Catarina Peixe, António de Sousa Ganho, irmão do primeiro, António Fernandes Peixe, Lourenço Fernandes Peixe e José Carne Viva que um dos seus descendentes, o senhor Gilberto de Carvalho, o identificou como José Martins e carne viva, alcunha.

Saudemos os elementos da segunda leva da corrente migratória José Rolão, João da Cruz Rolão, Francisco da Cruz, Tomé do Ó, (sabe-se, hoje, pelo Dr. Alberto Iria ser esposo de Maria da Cruz Rolão, esta nascida em Olhão em 1817 e falecida em Moçâmedes a 21 de Setembro de 1890, com 73 anos de idade e  que o sucedeu como regedora em Porto Alexandre após o seu falecimento ocorrido no dia 29 de Dezembro de 1872), e José Mendonça Pretinho.

Saudemos todos aqueles que chegaram em barcos de pesca à vela, ou em vapores das companhias de navegação em carreiras regulares, famílias que transformaram o Sul de Angola numa terra de progresso intensivo.

Aos experimentados pioneiros das diversas artes de pesca, todas elas provenientes de Olhão, que criaram as condições para o desenvolvimento da indústria artesanal de uma forma rápida e permanente em resposta ao chamamento de políticos eminentes e da coroa à patriótica ação de povoar e desenvolver os territórios de África, visando fazer parar a corrente migratória para o Brasil que continuava a receber grande parte da emigração portuguesa.

Escreve o Dr. Alberto Iria o seguinte texto, encontrado a páginas 98 da sua obra supra mencionada: «Ainda vi, em Porto Alexandre, no dia de S. Pedro em 1965, mas infelizmente já em ruínas, apenas com braços, caverna e roda de proa, no melancólico dizer, no saudoso lamento de um velho lobo do mar da minha terra, o que fora, outrora, o elegante caíque Florinda Costa, construído nos estaleiros de Olhão (no do mestre José da Graça, na banda do Levante, ou no do mestre João da Carma na banda da Barreta?) há muitos anos. Viera para Porto Alexandre com seu mestre e dono, Carlos da Costa Russo. Em 1913 por casual ironia do destino, deram-lha outro nome: o Desejado. Mais tarde ainda e antes de ser desmantelado, em 1961, chamaram-lhe Mondego. E assim acabou os seus dias o velho caíque Florinda Costa, o último da sua espécie a morrer no Sul de Angola, onde ainda ouvi os ecos das suas numerosas viagens para o ex-Congo Francês e ex-Congo Belga, além da habitual cabotagem entre os portos daquela nossa província».

 (Nesta foto uma panorâmica do deserto do Namibe e em relevo vários exemplares da planta Welwitschia Mirabilis, considerada a maior descoberta botânica do séc. XIX. Era chamada de Tômbua pelos indígenas, nome que prevaleceu para designar a cidade de Porto Alexandre após a independência. Esta planta só existe no deserto do Namibe e na Damarlândia no Sudoeste Africano, Namíbia (endemia). Na verdade parece personificar a sede naquele deserto extremamente seco)

Cecílio Moreira, ao escrever sobre Porto Alexandre e seus fundadores, «os heróicos algarvios, os pioneiros da ocupação de todas as nossas baías a Sul e a Norte da cidade capital do distrito, os abnegados olhanenses», escreve: «Foram estes homens humildes do nosso povo que venceram a fome, a sede e o tremendo isolamento, escondidos entre as dunas e o mar, batidos constantemente pelo vento agreste, que fustiga sem piedade. Á falta de outros materiais, muitos construíram as suas primeiras e rudimentares habitações com ossadas de cetácios monstruosos, que em datas remotas e desconhecidas haviam dado à praia, no saco da baía.



Ainda hoje é frequente, em Porto Alexandre, encontrar-se, na demolição de antigas construções, aquele estranho material, usados pelos pioneiros da ocupação.O vento Leste provoca temperaturas bastante elevadas, são frequentes no meses de Abril a Junho. Chegam a durar semanas, causam muito mau estar, respira-se com difilculdade. Conseguem exterminar animais, fazem torcer os vigamentos e deteriorar os mobiliários.

O mar, abundante em pescado, parecia compensar, em parte, o sem-número de privações daquela gente audaz. Os alimentos eram confecionados com águas de cacimbas (poços) abertas na areia, a pouca distância da praia, com um grau de salinidade bastante acentuado». «Se o meio ambiente era difícil para os pioneiros de Porto Alexandre, que quase só viviam a bordo dos seus caíques, poderemos agora avaliar o que seria essa vida em terra, para as suas próprias mulheres e filhos».

Mas o Dr. Alberto Iria não se quedou pelos arquivos para fazer História, visitou famílias algarvias, entrevistou-as em suas casas, colheu vasta informação. Escreve: «Em Moçâmedes, no dia de S. João em 1965, ainda me foi dado o prazer e a honra de visitar, em sua casa, um venerando homem do mar, natural de Olhão, já com 74 anos de idade, casado com D. Felicidade dos Santos Frota. Trata-se do senhor Januário Mendes Tendinha, nascido a 12 de Janeiro de 1891, na freguesia de N. Srª. do Rosário, filho de Januário António Tendinha e de Maria da Cruz Rolão Tendinha, prima-irmã da celebrada Regedora de Porto Alexandre Maria da Cruz Rolão. Veio para Moçâmedes a bordo no vapor Cazengo, apenas com 12 meses, na companhia de seus progenitores. Seu pai que chegou ser Regedor de Porto Alexandre, ali montou um estaleiro naval, contratado pelo mestre João Gregório Hungria, com mais dois calafates, e fez a travessia atlântica a bordo do caíque Harmonia. Este caíque, construído em Olhão nos estaleiros de mestre João da Carma, foi reparado e comprado em leilão, pelo pai do senhor Tendinha, e, mais tarde, vendido para o Lobito, onde foi transformado num barco motorizado com o nome de Nelson. O senhor Tendinha só depois de atingir os 21 anos é que teve licença oficial para governar o caíque Harmonia, durante cerca de 30 anos. É irmão do senhor Lordino Fernandes Tendinha, industrial de pesca em Porto Alexandre e ali presidente da Câmara».
Sobre a família Sousa Ganho, chegados na barca D. Ana, que abriu caminho à corrente migratória de Olhão para Moçâmedes nos ídos de 1860, (vêr post "OS OLHANENSES A SUL DE BENGUELA"), conta-nos o Dr. Alberto Iria:
«Francisco de Sousa Ganho era natural de Olhão e nasceu no ano de 1830 tendo falecido em Moçâmedes em 13/7/1895.( Moçâmedes, como sabemos, é a actual cidade do Namibe). Era filho de Francisco de Sousa Ganho e de Teresa de Jesus Ganho. Seu filho Francisco de Sousa Ganho Júnior (que fez a viagem na barca D. Ana com o seu pai e tios, com 9 anos de idade), era natural da freguesia de Stª. Isabel, Lisboa, nasceu a 11/11/1850. Eles íam na canoa de pesca para Moçâmedes mas conseguiram entrar na barca D. Ana. Estiveram na Baía das Salinas onde se dedicaram à pesca à linha e à extração de óleo de fígado cação. Rumaram depois para P. Alexandre (a actual cidade deTômbua) e Baía dos Tigres, sendo dos primeiros a fixarem-se nessas praias. O Júnior teve a sua primeira pescaria na Baía dos Tigres. Possuíam o caíque "Restaurador". Estiveram no Mocuio, Baía das Pipas, e Baba, onde possuíram uma "armação à valenciana", (a terceira que foi instalada no distrito). Foi o primeiro olhanense a construir uma casa em Moçâmedes». Conta, ainda o autor, o seguinte episódio passado na Praia do Sal:

«Em 3 de Fevereiro de 1871, o olhanense Francisco de Sousa Ganho indemnizou Maria da Cruz Rolão por ter lançado ao mar as madeiras para construir uma casa e mais utensílios de pesca que Maria da Cruz Rolão desembarcava na Praia do Sal, a norte da Vila de Moçâmedes» e mais adiante afirma, «declarou perante testemunhas que promete sob palavra de honra viver bem com os seus vizinhos residentes na Praia do Sal ou em qualquer parte deste distrito». Maria da Cruz Rolão é a histórica Regedora de Porto Alexandre que se evidenciou pela coragem e mereceu ser refereciada pelos políticos da época. Segundo o autor reataram a amizade que sempre uniu as gentes de Olhão. Tornaram-se elementos integrantes da população de Porto Alexandre, possivelmente vizinhos porque a população era escassa.
No "Livro de Registos de Passaportes de 1921" encontra o Dr. Iria a seguinte descrição: «Foi concedido passaporte de Moçâmedes para Lisboa a Tolentino de Sousa Ganho, médico, casado com D. Adelina Salvatério Santos, natural do Rio de Janeiro, Brasil, e a duas filhas Maria e Suzana, respectivamente de 7 anos e 14 meses». Recentemente o senhor Pedro Ganho corrige esta informação num comentário no post "OLHÃO-TERRA DE PESCADORES/NAVEGADORES, A MAIOR  DIÁSPORA COLONIZADORA A SUL DE BENGUELA :«Permitem-me duas correcções: Tolentino de Sousa Ganho tinha uma filha Suzana e um filho Mário, meu avô. A minha avó era Adelina Salvatori Santos. Mário Ganho casou em Coimbra com D. Gracinda, tem hoje 96 anos, 23 netos e 6 bisnetos. Cumprimentos de Coimbra, Pedro Ganho».
 Estas fotos de Francisco de Sousa Ganho (pai) e de Francisco de Sousa Ganho Júnior (filho) foram oferecidas ao Dr. Alberto Iria pelo Dr. Tolentino de Sousa Ganho e consta do livro que referenciamos. 
Gratos, ficamos, pois, ao senhor Pedro Ganho pela correção, cujo erro se deve certamente à perceção do autor à letra do registo ou  ao lapso da descrição.

 Lembra-se o senhor Alberto Gomes da Baía das Pipas, hoje com 92 anos de idade, terem existido a residir na Baía das Pipas antes dos anos 1960, dois membros da família Sousa Ganho, o senhor Sobriano Ganho e o senhor Ângelo Ganho. Sobriano Ganho dedicava-se à pesca da mariquita (espécie de sargo), com gaiolas. Veio definitivamente para Portugal quando começou a falhar o peixe e uma grave crise de pescado se instalou e se prolongou por mais de um ano, e Ângelo Ganho que foi para Porto Alexandre para sócio da empresa J. Patrício Correia. Havia nessa empresa um sobrinho deste chamado Fernando Ganho, filho de Sobriano que exercía a profissão de soldador na fábrica de conservas. Em Moçâmedes trabalhava como guarda-livros (contabilista) Gilberto Ganho. No desporto moçamedense evidenciava-se outro elemento desta família, o conhecido hoquista do Atlético Clube de Moçâmedes Tolentino Ganho. J. Patrício Correia não resistiu à grave crise de pescado que se abateu sobre aqueles mares e acabou por falir como faliram algumas outras empresas dedicadas à transformação do pescado. Pensa-se, hoje, ter sido o ainda desconhecido El-Ninho o causador da falta de peixe no Atlântico com o aquecimento das águas e a consequente emigração das espécies ou o seu mergulho para águas mais profundas, fenómeno que se repetiu posteriormente noutros oceanos e que foi devidamente identificado com o El-Ninho.
Não nos podemos esquecer de referenciar os colonos de Pernambuco da primeira e da segunda colónia agrícola chegados em 1849 e 1850, os fundadores de Moçâmedes que se lançaram também na captura do pescado e na comercialização do peixe seco. Manuel José Alves Bastos e sua esposa D.Amélia do Carmo Torres Bastos, proprietária do caíque "Amélia", são nomes que o Dr. Alberto Iria referencia como grandes impulsionadores da actividade piscatória em conjunto com os olhanenses. Mas são estes que continuam a chegar em grande número nos seus barcos de pesca ou em vapores. Deram novo alento à agricultura, mergulhada no marasmo pela escassez de consumidores. Alguns autores acreditam que os algavios acabaram por salvar a agricultura da ruína. Hoje escreve-se sobre a colónia agrícola de Moçâmedes como uma das muito poucas colónias agrícolas de sucesso dirigidas pelo Estado em todo o espaço angolano. Mas esse sucesso deve-se em parte ao grande número de algarvios que chegavam. Fixaram-se nas praias a Sul de Benguela, fundaram empresas e criaram os alicerces de uma nova economia no distrito cujo  desenvolvimento se tornou rápido e imparável.

 (Nesta foto vemos instalações industriais da empresa João Tomás da Fonseca na Praia do Mocuio, cerca de 20 Kms. a norte da cidade do Namibe. Algarvio da cidade de Portimão foi um dos grandes empreendedores do distrito de Moçâmedes, "criador de um pequeno império").

 As gerações foram-se sucedendo. Famílias havia que contavam quatro e cinco gerações de naturais cujos elementos exerciam as mais variadas profissões. As empresas eram como que "escolas de formação técnico-profissional" onde se formavam desde mecânicos a eletricistas, de calafates a "guarda-livros", os contabilistas de então. Alguns, estudaram na Metrópole onde encontraram o seu futuro. Um "regresso" por conveniência profissional. A grande maioria fizera da Terra de Promissão dos seus pais e avós a sua Terra, lutaram por um  futuro com o estímulo de construirem algo para si e para os seus vindouros. Um futuro que se pensara promissor para muitas e muitas gerações naquele sol e naquele mar angolano.

Em 1925 o Governo da República Portuguesa, por portaria publicada no Diário do Governo, louva o esforço dos colonos olhanenses naquela região angolana e desloca-se a Olhão elementos da Liga Nacional Pró-Colónias para escolha de um local onde se iria erigir um monumento aos colonizadores olhanenses do Sul de Angola, projeto que, infelizmente, não foi concretizado. Resta-nos o consolo de, ao percorrermos as ruas de Olhão, olhando as suas placas, podermos notar um nome que é memória e símbolo de tenacidade da mulher olhanense, viveu o desenvolvimento daquelas terras do deserto na segunda metade do séc XIX, lá faleceu, foi mencionada e enaltecida pelos políticos da época que a tornaram heroína e um exemplo de coragem; ficou uma simples placa e um nome, apenas, numa rua da Terra-Mãe de Olhão, a provocar uma ténua lembrança de um segmento da sua história heróica, pequeno memorial, ante a grandeza dos feitos, sofrimento e abnegação da diáspora olhanense no Sul de Angola: a Rua de Maria da Cruz Rolão, a célebre Regedora de Porto Alexandre.
 (Créditos de imagem do blog: www.princesa-do-namibe.blogspot.com) de Nídia Jardim. As Fotos de Porto Alexandre teem referência à nossa conterrânea Lay Silva que, desde já, agradeço.)




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