Memórias e Raízes

quarta-feira, março 29, 2006

Mossungo/Moçâmedes/Namibe

Tive o privilégio de ter conhecido um grande poeta angolano chamado Eduardo Mossungo. A sua alma estava encarcerada nas memórias da terra que o viu nascer. Vivia amargurado num Portugal que não lhe trazia qualquer razão de viver e a sua vida decorria sem objectivos de futuro. Ansiava pelo dia em que teria de pôr fim a esse desterro. E esse dia chegou. Estive com ele dias antes de partir. Disse-me que ía regressar a Mossungo, a sua Terra. Pouco tempo sobreviveu. O chão onde nasceu acolheu-o no seu seio num abraço eterno ao filho pródigo e amado. Foi um poema que nunca pôde escrever. Mas os seus amigos, aqueles que admiravam a sua luta, o seu amor, a paixão, nunca poderão esquecer o exemplar sentimento que nos legou.
Mossungo, Moçâmedes, Namibe, três fases no tempo. O mesmo mar piscoso e o mesmo deserto de microclima temperado. A pesca e a agro-pecuária em desenvolvimento galopante. Um casamento perfeito entre e Terra e o Mar. Dois povos pacíficos que se tornaram irmãos e que caminhavam lado a lado em direcção ao futuro que se visualizava promissor e feliz num progresso surgido no confronto de duas culturas que se apuraram no aproveitar útil de todas as suas capacidades em convivência pacífica. Por fim uma cidade que foi crescendo, filha desse Mar e desse Deserto, construída a pulso, onde abundavam as indústrias, as escolas que levavam o ensino a toda a população citadina e suburbana, o liceu, os clubes desportivos, os parques, o cais comercial e o de embarque de minério onde acostavam os maiores navios do mundo. E tudo isto fruto duma colonização que só pode ser exemplar pelo esforço, pela dedicação e pelo trabalho de todos e não pela devassa do burguês dissoluto como alguns querem fazer crer. Valeu o esforço, o sacrifício e o afecto do Homem na obra feita.
Este texto é uma homenagem a todos aqueles que lá viveram, construíram em Mossungo/Moçâmedes a sua Casa, desbravaram com charruas e enxadas o seu Chão, lançaram as suas linhas e redes no seu Mar generoso. Nos desalentos mais profundos foram buscar ânimo ao lema de Bernardino, o fundador: "vence, quem perseverar até ao fim", transformaram um pedaço de deserto em cidade e viram crescer a obra glorificada pelo trabalho árduo duma vida: a cidade de Moçâmedes. (Labor Omnia Vincit).
A Eduardo Mossungo, pseudónimo de Eduardo Brazão Filho: ele era o afecto, o exilado desesperado pelo regresso, a expressão mais sentida do Amor que alguma vez alguém sentiu pela sua Terra: a cidade de Mossungo, que segundo ele, poderia ser a nova e a mais apropriada designação para a cidade de Moçâmedes, quando Angola deixasse de ser colónia portuguesa. No entanto, logo no primeiro governo da nova República independente (República Popular de Angola) foi rebaptizada para cidade do Namibe.
A Namibe (cidade) o desejo que o desenvolvimento torne àquele espaço para que não seja o Namibe (deserto) a fazê-lo com as suas areias.

15 Comentários:

  • Só para demonstrar o funcionamento desta coisada!

    Por Blogger WatchMan, Às 12:37 da tarde  

  • Maravilhosa a ideia.Tanta coisa recebemos de Angola e tanta coisa demos. Amor retribuido.
    Lembrar Mossungo não podia ser mais feliz.

    Reparem neste poema genial de amor
    no seu canto...



    ÁFRICA MINHA CANTORA


    Guitarra, que estás tocando ?
    Não vês a cor do luar ?
    Não vês a cor do Sertão ?

    Não vês a erma magia
    Romântica Tentação
    Desta Angola que nos criou
    E nos toca o coração ?

    Repara a ganga infiltrando
    Em selvagem natureza
    O feiticeiro espeldor ;

    Ouve o cantar das viuvinhas,
    Dos chacais ouve os latidos ;
    Vê o clarão das queimadas
    E o romper das madrugadas
    Em quadros belos... perdidos...

    Guitarra, que estás tocando
    Nesta noite de luar ?
    Não vês para além das chamas
    As mucaias a gingar ?
    Olha as sombras africanas
    Bricando sob o palmar...

    Ouve o rugir do leão
    Ouve o chorar duma hiena
    E verás quão bem pequena
    É tua voz no Sertão !


    E quando vires o manto
    Do grande Zaire entre as relvas...
    Pára guitarra teu canto
    E deixa cantar as Selvas


    Uma abraço
    Massemba/glória

    Autor:
    Eduardo Brazão-Filho
    1972

    __________________

    Por Anonymous Anónimo, Às 7:49 da tarde  

  • Obrigado Cláudio Frota por teres criado este site e homenageares o meu querido e falecido irmão Eduardo.
    Um abraço
    Mário Brazão


    SANZALA

    Noite, noite negra, espectral
    Jungida em cada adobe
    Com cazumbis e ekolokolos
    Se batucando no silêncio sem sombras.


    Há uma muralha da China
    Envolvendo o ritual de desejos
    Na cidade de bairro,
    Com convulsões espasmódicas de ansiedade
    Brotando de raiz dos seus dedos.


    Autor:
    Eduardo Brazão-Filho
    (Mossungo)

    Por Anonymous Anónimo, Às 4:36 da tarde  

  • Gostei imenso de ler tudo o que escreveste, sobre a fundação de Moçâmedes e a vida do seu fundador. Muitos desconhecem muitos aspectos do que foi a vida e obra BERNARDINO (eu incluido, daí deverem este documento histórico.
    Walter
    30/09/06

    Por Anonymous Anónimo, Às 9:29 da tarde  

  • O KUKULAR DA NOVA VIDA




    Quando, meu filho caçula, os teus filhos
    e os filhos dos teus filhos
    olharem para o passado e não souberem mais
    o que foi uma tchimpaka
    porque a àgua abunda
    nas milhares de represas e cacimbas instaladas


    Quando sentires os ekolokolos deixarem de atormentar
    as recordações
    dos seus corpos atirados ao mar
    das galeras dos escravos...


    QuandoQuando nos lugares das kubatas vires
    casas de adobe e cimento
    e os arimbos explodirem fartura...


    Quando as secas
    não forem mais calemas do passado
    substituidas por um kandango forte
    e a kizomba, a massemba e a kilapanga
    kandangarem de kabinda ao kunene
    louvores a N'Zambi
    por este sonhop realizado...


    Quando, meu filho caçula, os teus filhos
    e os filhos dos teus filhos
    não se lembarem mais de que no meu tempo
    os homens se sangrentavam
    numa guerra pelo poder
    e o kazumbi que kukaiava em cada esquina
    com inveja e mau olhado
    se esfumar na sombra dos tempos...

    ...então

    como nas grandes solenidades dos chefes indios,
    num grande kudissanga
    o Povo
    todo
    poderá fumar a mutopa da Paz
    e fazer soar o n'goma
    pelo kukuiar da Nova Vida.





    Autor.

    Eduardo Brazão-Filho
    (Mossungo)

    Por Anonymous Anónimo, Às 6:45 da tarde  

  • CONVENÇÃO





    Deixa que a espuma se enrole a teus pés
    Deixa o porto chiar a canção dos guindastes
    E os vapores transpirarem o fumo da partida.
    Deixa sumir-se a fantasia de quem vai
    No lenço branco de quem fica


    Daqui a pouco
    Há-de surgir a lua amiga
    Que entrará num buraco da tua cubata
    Para dormir contigo no chão
    Com esteira de matêba.





    Autor:

    Eduardo-Brazão-Filho
    (Mossungo)

    __________________
    Mário Brazão

    Por Anonymous Anónimo, Às 6:47 da tarde  

  • Poemas do livro "AMAR ANGOLANAMENTE - Poemas de Exílio"



    I

    Amar,
    amar angolanamente
    é sentir este exílio sufocante,
    esta amargura de korica enjaulado
    à Pátria distante.


    Lágrimas rolando em pena decretada
    na ausencia forçada,
    vigilante solidão em terra estranha
    onde o silêncio é o grito maior que o trovão
    e o respirar deste ar impuro
    azagaia feroz a expiação.


    Amar,
    amar angolanamente
    é ter muxima grande,
    tão grande como o País distante
    batendo dentro do peito
    constantemente.


    Legendas:

    Korica - Leão
    Azagaia - Espécie de lança
    Muxima - Coração

    Eduardo Brazão-Filho
    (Mossungo)

    Por Anonymous Anónimo, Às 11:57 da manhã  

  • Amar Angolanamente

    II



    Nem séculos te ofuscaram
    os ditames da glória conquistada;
    Fez-se História
    antes e depois da Pátria Libertada.


    Unidos de ora avante
    Povo e Nação
    sentirão África na alma enternecida
    e Angola ao bater do coração.


    Eduardo Brazão-Filho
    (Mossungo)

    Por Anonymous Anónimo, Às 7:18 da tarde  

  • É bom sentirmo-nos acompanhados nesta homenagem. Obg. a todos.
    Cláudio Frota

    Por Blogger Cláudio Frota, Às 1:13 da manhã  

  • AMAR ANGOLANAMENTE

    XV






    Não tenho o sol nem o luar
    da minha terra, nesta terra estranha;
    Não tenho o kuvale, o muhila, o luena a dançar
    não ouço o korika a rugir, o batuque a tocar,
    oh dor tamanha
    desta dor sem par !



    Minha irmã Nangombe, de te recordar
    vê como padeço.
    como é bom, como é bom minha irmã Nangombe
    sonhar regressar
    deste exílio opresso.



    Como é bom
    aplacar esta chama nostálgica, feroz,
    este cruel algoz
    como o inebriante sonho
    de à Pátria voltar.
    Como é bom, como é bom minha irmã Nangombe
    sonhar transpor as solidões da desventura
    nessa imagem cativante,
    pura,
    de te voltar a tocar




    Como é bom minha irmã Nangombe
    viver esta vigília,
    Kalunga agitado no meu peito
    já quase desfeito
    dessa esperança
    de esperar.




    Como é bom,
    Como é bom minha irmã Nangombe,
    sonhar !






    Eduardo Brazão-Filho
    (Mossungo)

    Por Anonymous Anónimo, Às 5:19 da tarde  

  • AMAR ANGOLANAMENTE

    XVI


    Esta luta interior, ciclópica, rebelde,
    este combate nesta arena gigante do meu peito,
    esta fúria dos meus gemidos revoltos,
    como um tantan frenético
    batendo incessantemente
    na queimada hipnótica e pujante dos meus pensamentos.



    Esta angústia de maracujás, pitangas e maboques
    escorrendo do meu corpo
    e marimbas repercutindo sons
    no sonho nublado do meu suor.



    Estas lembranças, geométricas pirâmides
    cavando África no fosso angustiando da minha alma
    fazem-me viver eternamente vigilante
    na inacessível recusa de me sentir ausente.



    Esta luta interior, ciclópica, rebelde,
    envolve-me na dulcíssima melopeia das puítas,
    nos cânticos desse povo que existe nesse belo País,
    porque não existe outro País mais belo
    do que o meu ausente mas sempre presente
    e constante País.






    Eduardo Brazão-Filho
    (Mossungo)

    Por Anonymous Anónimo, Às 5:28 da tarde  

  • AMAR ANGOLANAMENTE

    XVII


    O drama de mim mesmo
    esconde-se na grandeza desse mato imenso.
    Em minhas veias escorre
    cada pulsação vibrante das anharas,
    dos platôs e chanas,
    dos desertos e rios.



    Busco-me nas serras e vales;
    penetro nas míseras cubatas
    e deito-me no chão das esteiras
    para adormecer alquebrado
    num desencontro de esperanças.



    O drama de mim mesmo
    desprendeu-se da garganta profunda
    do vazio da vida
    e procura na noite
    a luz do vagalume.



    Em vão busco-me no entrechoque
    da fantasia/realidade !
    - Nem um punhal
    para derrubar em cada esquina
    o silêncio !
    Nem uma catana
    para arrancar cerce e impiedosamente
    o pavor.



    E a gélida ansiedade que o vento
    arrasta sobre a mole humana
    é meu drama,
    meu drama pela desejada renúncia
    deste abrigo/exílio !



    O drama de mim mesmo
    é este estigma desnudado !





    Eduardo Brazão-Filho
    (Mossungo)

    Por Anonymous Anónimo, Às 5:31 da tarde  

  • AMAR ANGOLANAMENTE

    "PADRE NOSSO"


    Quando da vida o ar já não sorver
    e fôr aos vermes vis apascentada,
    só quero que deponham a meu lado
    este livro que acabo de escrever.


    Não peço mais, pois mais pedir não posso.
    Se acaso alguém de mim se faz lembrar,
    então peço que diga sem troçar:
    -Ele fez do amor à Pátria o "Padre Nosso" !

    Por Anonymous Anónimo, Às 5:39 da tarde  

  • Caros amigos

    Os poemas que transcrevi, foram obra do meu saudoso irmão Eduardo Brazão-Filho, também conhecido por Mossungo

    Por Anonymous Anónimo, Às 12:21 da manhã  

  • Amigo Claudio

    Eu sei que estou em falta para esteb teu Blog, mas como já teb referi pessoalmente, deve-se ao facto de vários sites e o tempo voa...
    Espero que este "cantinho" do meu querido e saudoso irmão coninue,

    Um abraço
    Mário

    Por Anonymous mário brazao, Às 1:25 da tarde  

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