Memórias e Raízes

terça-feira, abril 24, 2007

MANUEL JOAQUIM FROTA - O Mandador Pioneiro das Armações à Valenciana



"Ía o nosso tempo em África e já Manuel Joaquim Frota era uma referência na história de Olhão. A ele se deve a ída para Angola da primeira "Armação à Valenciana" da pesca da sardinha, decorria o ano de 1887. Foi montada em Moçâmedes, seguindo depois para a Baía dos Tigres...."
É a parte inicial do texto de homenagem que foi prestada a Manuel Joaquim Frota por cerca de 30 bisnetos e trinetos, frente à sua catacumba, no cemitério velho de Olhão, no dia 7 de Outubro de 2000.
No ano seguinte promoveu-se novo encontro, desta vez com divulgação organizada para que a informação pudesse chegar a todos os familiares de norte a sul do País.
A resposta excedeu todas as expectativas. Cancelaram-se compromissos e reuniões e no dia 6 de Outubro de 2001, cerca de 100 descendentes do mandador pioneiro, nascidos em Angola, encontraram-se novamente no cemitério velho de Olhão, numa sentida homenagem. A nova geração nascida em Portugal esteve também presente.
Manuel Joaquim Frota, nasceu em Olhão no dia 15 de Janeiro de 1838.
Em 1887, com 49 anos de idade decidiu fazer a travessia do Atlântico a bordo do palhabote S. José, de Manuel Pereira Gonçalves, levando a primeira "Armação à Valenciana" da pesca da sardinha que Angola conheceu e que foi montada na então Vila de Moçâmedes, hoje cidade do Namibe. Não se sabe o local onde foi instalada, talvez na Torre do Tombo, na praia onde foi construído o cais comercial, na ponta do Noronha. Demorou-se pouco tempo por ali e antes de 1893, ano de chegada do meu avô, já estaria montada na Baía dos Tigres. (créditos de imagem:www.antigamente1900.blogspot.com)
Outras armações foram chegando: a de Lourenço Morgado que foi instalada, provavelmente no lugar da primeira ou muito próximo, e a de Francisco de Sousa Ganho, montada no Baba.
As armações fixas, eram as artes de pesca mais avançadas dessa época e de grande rentabilidade, que fizeram aumentar a produção do pescado naquela zona do litoral angolano.
Poucos familiares conheciam a aventura africana deste nosso ascendente. Porque decidiu emigrar numa idade já um tanto avançada para este tipo de aventura? Porque mudou os seus planos de permanência em África? São perguntas que ficarão sem resposta certa, mas um familiar recordava-se que talvez houvesse um motivo forte para o seu regresso a Olhão: recordava-se de comentários feitos no seio da família que em dado momento, a minha bisavó reconsiderou o embarque definitivo para África, criando a dúvida se já lá teria estado alguma vez. O motivo desta decisão, talvez esteja nas difícies condições de vida que o meio sul angolense oferecia naquela época, com relativa excepção para a vila capital do distrito: Moçâmedes.
Manuel Joaquim Frota, o mandador pioneiro, regressou a Olhão em data indeterminada e faleceu no dia 12 de Outubro de 1912 aos 74 anos.

A CATACUMBA ABANDONADA

Decidi um dia entrar no cemitério velho de Olhão, naquele que é uma das principais fontes documentais da cidade, com arquivo próprio.
O funcionário era um simpatizante da pesquisa histórica e prontificou-se consultar os inúmeros registos ao seu dispor. Dois deles chamaram a minha atenção: a sepultura abandonada de um tio-bisavô, Francisco Lopes Frota e a catacumba, também abandonada que servia de última morada ao meu bisavô Manuel Joaquim Frota, o mandador pioneiro das armações à valenciana. Desloquei-me aos dois lugares onde fiz um breve recolhimento. Francisco Lopes Frota era um dos irmãos mais velhos do meu bisavô e não deixou descendência. Mais tarde, numa visita, constatei não existir mais a pedra da sua sepultura. A catacumba do mandador, meu bisavô, encontrava-se sem qualquer identificação, só em parede caiada, graças ao zelo dos funcionários. A minha bisavó migrou para Lisboa com a restante família deixando Olhão para sempre, daí não ter podido cuidar da sua manutenção. Existiu uma chapa, posta por um parente que tinha um táxi mas caíu e perdeu-se, (um gesto de rara sensibilidade vindo de um sobrinho-neto do meu bisavô). Há muitos anos era visitada por familiares ligados à minha bisavó, a família Lota, recordava-se o funcionário que manteve uma forte relação de amizade com o meu parente taxista, José Sérgio Frota e que nutria por ele grande respeito e admiração por ser um talentoso apresentador de teatro e autor de várias peças representadas na saudosa sala do teatro velho de Olhão por artistas amadores. Tive o grato prazer de o conhecer, já reformado, numa breve visita em sua casa, perto de Lisboa, há cerca de 20 anos.
Confesso que, diante daquela catacumba, senti-me deveras emocionado. Ali estava sepultado o meu bisavô, um "africanista olhanense" que fez uma viagem épica a bordo de um palhabote e que era pioneiro das armações á valenciana. A sua pele fora curtida pelas maresias do mar de Moçâmedes e pelas garroas e lestadas da Baía dos Tigres. Na certidão de óbito vinha mencionada a idade aparente: 88 anos, quando na verdade tinha 74.

Prometi, naquele recolhimento, encontrar a melhor forma de lá colocar uma lápide. Como propriedade particular que era, só ao proprietário era concedida a autorização para tal e o proprietário era a minha bisavó Maria Teresa Frota, falecida há muito em Lisboa. Decidi então fazer o pedido por escrito à Câmara Municipal de Olhão e juntar uma fotocópia da página de um livro onde menciona o meu bisavô como pioneiro. E assim fiz.
A autorização demorou quatro longos e expectantes meses. O pedido veio, finalmente, deferido. Manuel Joaquim Frota ía ter lápide na sua catacumba por ter sido reconhecido o mérito da sua iniciativa pioneira. A família Frota, nascida em Angola, soube respeitar a memória daquele seu ascendente comparecendo em grande número às homenagens que lhe foram prestadas. A primeira, a mais restrita, no dia 7 de Outubro de 2000, 113 anos após um sonho africano e 25 anos após a nossa chegada e dispersão por Portugal. A segunda com divulgação a todos os familiares de norte a sul do País. Uma iniciativa ímpar do meu primo Rui e do meu irmão Walter que criaram uma autêntica máquina de divulgação, e no dia 6 de Outubro de 2001, cerca de cem familiares descendentes de Manuel Joaquim Frota, encontraram-se, numa sentida homenagem. As recordações brotaram, nas intervenções de grande qualidade que se seguiram ao almoço, num total de 110 presenças. Recordámos a velha Torre do Tombo onde nasceram e viveram os meus tios e pai, uma prole de 12 irmãos; a praia Amélia onde o meu avô trabalhou na pesca da baleia; as agruras por que passaram os meus avós na Baía dos Tigres devido ao clima hostil e ao isolamento; ao perfil de todos eles, pela vida de rectidão que levavam, desenhado pelo meu primo José Manuel, com a espontaneidade e boa disposição a que nos habituou e a que se deve aos muitos anos na rádio como chefe de produção do Rádio Club de Moçâmedes e como repórter da antena um em Portugal, um grande comunicador; as palavras sábias do meu primo Mário Ângelo, homem de grande carácter e elevada cultura, que viajou de Coimbra e seguiu para Madrid nesse dia para uma conferência, não deixando, por isso, de estar presente. Um envolvente, belo e inesquecivel exercício da memória. Um pensamento foi aflorado e comungado por todos: "quando o passado está presente o exercício da memória é quase um dever". É quase um dever, diria, quando esse passado contém a dignidade do dever cumprido.
Outros encontros se sucederam, desta feita em Alcácer do Sal, com um récord de 120 presenças no primeiro lá realizado.
Seria memorável e talvez inédito nas famílias portuguesas, um encontro global em Portugal de uma família que espalhou o seu apelido por diversos países do mundo. Muitas foram. A família Frota é uma delas: Portugal, Angola, Brasil, Estados Unidos, Argentina, etc., (sabendo que o ramo de Angola entronca somente no de Olhão), a exemplo dos Galvão, que têm organizado os seus encontros em França, com um número de presenças que rondam os mil, segundo consta. Um encontro global dos Frotas a realizar-se em Portugal, seria por bem em Alcácer do Sal ou Setúbal, cidades onde moram os pergaminhos do apelido e os portos de onde partiram em demanda das terras brasileiras nos séc. XVI a XVIII, onde se fixaram, e onde ainda residem os seus inúmeros descendentes.

O TESTEMUNHO DE MR. GRUVEL

As armações à valenciana foram surgindo no distrito de Moçâmedes em grande número: na Lucira, no Mocuio, em Porto Alexandre, na Baía das Pipas, no Baba, etc., e até mais do que uma em cada uma dessas praias, e com elas o aumento da produção do pescado e do peixe seco que era comercializado nos portos de Angola, Congo Francês, Gabão e S. Tomé, levados pelos caíques olhanenses. O desenvolvimento tornou-se imparável e suscitou a admiração de portugueses e estrangeiros pela obra que se estava a realizar naquela zona de África.
Mr. Gruvel era um oficial da marinha francesa, que encarregado pelo seu governo de fazer um inquérito às pescarias da costa Ocidental de África em 1909 referiu-se a Angola, nestes termos:
"Não podemos deixar Angola sem falarmos da impressão extraordinária que nos deixaram dois dos principais centros de pesca: Porto Alexandre e Baía dos dos Tigres.
O que poderá ser a vida sedentária dum europeu numa região formada de areia pura, sem um traço de vegetação, estendendo-se tão longe quanto a vista pode alcançar? Um vento violento que sopra muitas vezes em verdadeiras tempestades, levanta quase todo o dia nuvens duma areia fina que penetra por toda a parte; bebe-se, come-se e ...sufoca-se!
É neste país de desolação, ao pé do qual Port-Etienne parece um verdadeiro paraíso, que vivem isolados do resto do mundo, bebendo água que vai de Moçâmedes, cerca de trezentos brancos em Porto Alexandre e cem na Baía dos Tigres."
"Não temos maneira de felicitar todos os portugueses que habitam este deserto, pela admirável coragem de que dão prova, vivendo assim nessas regiões de desolação".
A terminar:" Quando se vêm os milagres de energia que os portugueses têm tido que dispender para criar esta magnífica indústria de pesca em semelhantes regiões, pensa-se que temos de desesperar do nome francês se não conseguirmos fazer tão bem ou melhor que eles ...não apresentando nada de comparável ao que existe em Porto Alexandre e sobretudo na Baía dos Tigres."
Por portaria editada no Diário de Governo de 27 de Junho de 1925 o governo português louva o esforço colonizador no distrito de Moçâmedes, terminando nestes termos:

"Manda o Governo da República Portuguesa pelo Ministério das Colónias que seja dado público testemunho do muito apreço em que é tido o valioso trabalho realizado por estes colonos, que tanto honram a Pátria e por esse motivo sejam louvadas as populações de Moçâmedes e Porto Alexandre por serem os principais núcleos desta colonização.


Paços do Governo da República 27 de Junho de 1925"