Memórias e Raízes

sexta-feira, dezembro 28, 2018

NAS PLANURAS DO MOXICO IV - MOIO, MOIO MOXICO, MOIO

A palavra Moxico deriva do nome do soba Quioco Mwa Muxiku. O povo era Tchokwe ou Cohwe que os portugueses puseram Quioco. A ocupação do Moxico pelos portugueses iniciou-se a 3 de Março de 1895 pelo Tenente-Coronel Trigo Teixeira, que partiu de Luanda no intuito de ocupar os territórios entre o Alto Kwanza e o Zambeze, que  passaram a ser designados por Moxico. Trigo de Morais estabeleceu uma colónia penal militar agrícola nas terras do soba Mwa Muxicu, fazendo construir a fortaleza Ferreira de Almeida, extinta em 1901. Em 15 de Setembro de 1917 separou-se do distrito de Benguela. 
O fundador da cidade do Luso (Moxico Novo) foi D. António de Almeida. Em 1922 Moxico Novo passa a designar-se Vila Luso e em Maio de 1956 passou a cidade. Em 1950 inicia-se a construção do aeroporto e o edifício dos Correios e também o Hotel Luso, sede do Banco de Angola, e o Cine-Teatro Luena que começou a funcionar em 1956.
A cidade do Luso nasceu 10 anos depois de terminada a Conferência de Berlim (1884/1885). Foi nessa conferência que se desenhou o mapa de África como é agora. Foi aí que nasceu o território de Angola. Na Conferência de Berlim ficou estipulado a obrigatoriedade da ocupação efetiva dos territórios de África pelas potências coloniais europeias e a aculturação dos povos. Existiam somente duas cidades onde é hoje a República de Angola: Benguela, fundada em 1617 pelo português Cerveira Pereira, que teria somente cerca de 200 habitantes, capital do Reino de Benguela que abrangia os territórios entre o Quanza e o Cabo Negro, (perto da atual cidade de Tombwa, a antiga Porto Alexandre, onde o navegador português Diogo Cão numa viagem pela costa africana colocou um padrão); e Luanda, fundada em 1575 por Paulo Dias de Novais com cerca de dois mil habitantes, capital do Reino do N´Gola, que ia desde o Ambriz até ao Quanza. No vasto interior, povoados fundados por antigos funantes (comerciantes ambulantes) iam-se mantendo ou valorizando dependentes da satisfação dos sobas, ou suprimidos, pela sublevação dos povos. Os grupos de colonos chegados aos planaltos do interior Sul e Centro ficavam à sua sorte. Famílias empobrecidas optam viver como africanos (cafrealismo) vencidos pelas dificuldades e "esquecidos" pelas autoridades portuguesas. Os bóeres chegaram à Humpata, no sul do território, vindos da Damarlândia, África do Sul inglesa, após uma travessia do deserto à moda bíblica, onde sucumbiram pela sêde famílias inteiras. Chegados ao rio Cunene em 1880, (fronteira natural com o Sudoeste Africano) e após conversações com as autoridades portuguesas na então Vila de Moçâmedes, prosseguiram a sua marcha até à Humpata, no planalto da Huíla, região de muitas águas e terrenos férteis onde se instalaram. Constituíram a Colónia agrícola de S. Januário, onde só existiam dois portugueses estabelecidos. Adquiriram a nacionalidade portuguesa,  mas em 1925 realizaram novo trek de regresso à Damarlândia.
Ficaram muito poucas famílias, ou porque não quiseram abandonar as suas farmes, ou porque se sentiam portuguesas, ou porque, as forças, devido à idade, já não permitirem grandes esforços. Contavam as suas vidas de aventura como voluntários na guerra com os povos da temivel Liga Ovampo do território Ovampo, antes e durante a 1ª Grande Guerra Mundial na Europa (1914-1918). A Liga Ovampo era uma liga de povos guerreiros,  onde se contavam os aguerridos Cuamatos e os Cuanhamas, entre outros, chefiados pelo soba Mandume e seus lengas (generais), Liga armada e municiada pelos alemães do Sudoeste Africano. Os boéres eram excelentes cavaleiros e exímios atiradores. Moçâmedes já era uma ridente cidade desde 1907, a terceira,  fundada por portugueses ex-residentes em Pernambuco, Brasil, fugidos e perseguidos durante revolução praieira, já o Brasil era um Império, independente de Portugal desde 1822. Chegaram ao porto de Moçâmedes em 1849 e constituíram uma colónia agrícola. Encontraram uma feitoria fundada por olhanenses chegados em 1844, a única que se mantinha ativa graças à produção do pescado e à indústria do peixe seco que era exportado para Luanda nos navios correio do Estado e vendido no almoxarifado. Estes novos colonos, 188 no seu todo, chegaram no dia 4 de Agosto de 1849 na barca "Tentativa Feliz". Fundaram a povoação de Moçâmedes e deram finalmente o impulso económico que a região precisava. Dedicaram-se, juntamente com os olhanenses, à produção do pescado e à indústria do peixe seco, tornaram-se produtores de algodão na época da guerra civil americana, com bom rendimento do capital investido devido ao aumento do preço nos mercados. Dedicaram-se à produção da cana do açúcar com três engenhos comprados no Brasil subsidiados pelo Estado Português, engenhos a serem entregues a sociedades que se viessem a constituir ou a indivíduos empreendedores que logo se comprometeram a reembolsar o Estado com o rendimento de várias safras. Chegaram cheios de fé num futuro promissor. Outros 120 chegaram em 26 de Novembro de 1850, também de Pernambuco com o mesmo objetivo: o povoamento e o desenvolvimento da agricultura em Moçâmedes. Em 1859, ou seja 10 anos após a chegada da primeira colónia Moçâmedes tornou-se vila. A corrente migratória proveniente de Olhão a partir de 1860 fez aumentar o consumo do produto agrícola, salvando a agricultura do marasmo a que estava devotada. Historiadores afirmam que os olhanenses vieram salvar a agricultura que se fazia nas margens dos rios Bero, Giraúl e Coroca pelo consumo de frescos.
Foram eles que levaram as primeiras artes de pesca para as praias a sul de Benguela, fundaram pescarias e povoações em praias isoladas e desertas e organizaram o comércio de cabotagem. Entretanto a escravatura fora abolida em 1869 nos territórios administrados por Portugal. Passara o período mais tenebroso que África conhecera. As fazendas brasileiras foram o destino deste tráfego ignóbil que finalmente as potências coloniais europeias punham termo. Duzentos anos tinham-se passado desde que o padre jesuíta António Vieira se insurgira no Brasil contra a escravatura dos índios. O rei português D. João IV expediu uma provisão real com data de 9 de Abril de 1655, em que ordenava que os índios ficassem apenas sob a jurisdição e proteção das missões da Companhia de Jesus. Era o sonho da Companhia reunir os catecúmenos, civilizá-los, conservá-los sob sua tutela, contrariando a pretensão dos fazendeiros que os queriam para si. Um dos resultados desta postura política foi o aumento do número de escravos encaminhados de África, (cerca de dois milhões) para as fazendas no Brasil.
  
Em Angola, o esforço de Portugal para povoar o interior do território ia prosseguindo com o sacrifício das finanças públicas. Fazer de Angola um segundo Brasil era o propósito histórico a atingir após a independência daquela antiga colónia portuguesa (Brasil). 222 madeirenses chegavam no navio "Índia" ao porto de Moçâmedes em 1884, subiram ao planalto da Huíla em carros bóeres para se fixarem no vale do Lubango e dedicarem-se à agricultura. Fundaram um povoado naquelas terras planálticas que prosperou rapidamente para se tornar cidade em 1923 com o nome cidade de Sá da Bandeira, hoje cidade do Lubango. No dia da sua ascensão a cidade, o comboio do Caminho de Ferro de Moçâmedes subia a Serra da Chela e freava pela primeira vez na nova estação daquela recém eleita cidade, tornando-a terminal de linha. Cerca de 40 anos mais tarde chegava a Cassinga, nas "Terras do Fim do Mundo", no sudeste angolano. para carregar o ferro extraído das minas e transportá-lo ao porto mineraleiro situado em Moçâmedes, onde, através de um sistema de tapetes rolantes era despejado nos porões de grandes petroleiros com destino ao Japão e outras potências industriais.

No planalto central, no Huambo, as distâncias obrigavam a um esforço de longas caminhadas. Como no sul, adotaram o carro bóer, como se vê na foto acima, puxado por juntas de bois, para o transporte de pessoas e de mercadorias.
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O Caminho de Ferro de Benguela veio enriquecer o estado de escassez dos transportes. O planalto central sentiu os seus efeitos. A linha férrea foi-se alongando até chegar à fronteira do Congo Belga, hoje Congo Kinshaza numa extensão de 1.349 Kms, terminando a sua viagem em Teixeira de Sousa, a atual Luau. Nesta vila, a partir de 1938 internacionalizou-se com a ligação ao Katanga no Congo Belga, hoje República do Congo Kinshaza, e Rodésia do Sul, na época colónia inglesa, a atual República da Zâmbia.
Instalaram-se novos povoadores portugueses ao longo da linha. O interior central conheceu então um rápido crescimento agrícola, comercial e industrial. Foi fundada a cidade de Nova Lisboa em 21.9.1912 pelo Governador Geral Norton de Matos (1912-1914). Teve esta designação (cidade de Nova Lisboa) de 1928 a 1975. Em apenas cinco dezenas de anos tornou-se na segunda maior cidade de Angola e grande centro agrícola, industrial, comercial e cultural  Em 4.9.1940 passou a sede de diocese. As oficinas gerais do Caminho de Ferro de Benguela situavam-se nesta nova cidade com várias centenas de trabalhadores instalados e suas famílias. O mundo do desenvolvimento parecia apontar para Leste em direção ao Moxico e nordeste em direção à Lunda. Mas a lenta expansão demográfica e a larga extensão de território foram condicionantes que fizeram esperar por políticas mais decididas na criação de infraestruturas. Em 1974 aconteceu algo importante no Moxico no que se concerne às acessibilidades, concluiu-se a asfaltagem da estrada Luso / Vila Gago Coutinho, hoje cidade de Luena / Lumbala N´Guimbo com extensão a Ninda numa distância de 480 quilómetros. Outra estrada foi asfaltada para Sul a partir do Cuito, a antiga Silva Porto no planalto central, sensivelmente com a mesma dimensão. Lumbala N´Guimbo, a antiga Vila de Gago Coutinho deveu este nome ao homem que liderou a missão que, entre 1912 e 1915 delimitou a fronteira sudeste. O sub-sector de Gago Coutinho era um quase deserto em termos de atividades económicas promotoras de desenvolvimento. Deserto à espera das energias do colonizador apto, empreendedor, criador e inovador.
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Em 1973 Angola possuía mais de 8.000 Kms. de estradas pavimentadas. Todas as cidades, (perfaziam mais de trinta), estavam ligadas entre si por essas estradas. Percorre-se Angola de Norte a Sul e do litorial, (cidades do Lobito ou Benguela) à fronteira Leste no Moxico em asfalto, onde noutro tempo se comia o pó levantado pelos rodados das viaturas. Mérito da JAEA (Junta Autónoma de Estradas de Angola) pela excelência do trabalho realizado.
Um desenvolvimento galopante em todos os sectores da atividade económica foi conseguido noutras regiões do território a partir de 1961, aquando do início das hostilidades.

No seu discurso sobre Luso-Tropicalismo, o sociólogo brasileiro Gilberto Freire refere-se à «capacidade dos portugueses para confraternizar, lírica e franciscamente com africanos, ameríndeos e asiáticos para incorporar os seus valores, para amar suas mulheres, é única nos portugueses».
Freire defende que o «método mouro de conquista pacifica de povos, de raças e de culturas foi assimilado pelo homem luso e posto ao serviço da expansão cristã nos trópicos».«Uma política social de feitio tão pouco europeu que acentuou a singularidade da posição dos lusitanos entre os poderes imperiais da Europa. Amorenezou-se sob o sol dos trópicos ou sob a ação da mestiçagem».
«Estes traços de personalidade do povo português resultaram da sua origem étnica e cultura heterogénia e refletiram-se na expansão ultramarina, o mundo que o português criou, criando uma unidade de sentimento e cultura, acima de meras questões de soberania».«Há no português enorme capacidade de adaptação a todas as coisas, ideias e seres, sem que para isso implique perda de caráter». «Foi esta faceta que lhe permitiu sempre manter a atitude de tolerância e que imprimiu à colonização portuguesa, em certas épocas, o caráter inconfudível de assimilação por adaptação». Ao contrário de outros povos europeus os portugueses não eram etnocêntricos mas sim cristocêntricos». Como resultado da miscigenação Freire defende que emergiu um novo tipo de sociedade e de civilização caraterizado pela presença e participação dos homens de cor. «A integração de agentes culturais seria o resultado natural da vocação ecuménica da presença portuguesa pelo mundo desde os tempos do Infante D. Henrique...»

Mas os ventos de mudança começaram a soprar. O tempo da 1ª. República em que o Alto Comissário português General Norton de Matos dignificou em Angola, fundando uma cidade no seu Centro (Nova Lisboa) e projetando Estados Federados com autonomia financeira nos territórios ultramarinos chegara ao fim. Este paradigma assente pela ação de Norton de Matos durante a 1ª. República foi definitivamente abandonado. O Estado Novo tomara os destinos do País com a constituição de 1933 e com novas políticas de contornos ditaduriais. Com o novo modelo instituído desaparecia a autonomia financeira de cada um dos territórios de África e os seus orçamentos teriam de ser aprovados pelo Ministério das Colónias.

Os ventos da história vindos da Europa reconheciam que os povos sujeitos ao sistema colonial tinham o direito de serem livres para escolherem eles próprios os seus destinos. Portugal permaneceu estático a essa mudança. Em 1961 a guerra para a libertação do território chegou ao Norte, e em 1966 ao Leste. O Moxico ía conhecer um dos períodos mais cinzentos da sua história. Abriu-se a frente Leste pelo exército português por um lado, e pelos movimentos independentistas por outro. A guerrilha estava no terreno para doutrinar e controlar populações, o exército português para frustrar essas intenções e trazer as populações até às cidades, vilas, postos administrativos e quartéis numa ação de reordenamento visando dificultar a ação da guerrilha. Nessas aldeias agora constituídas havia uma organização de alerta e autodefesa garantidas pelas Milícias de Regedoria lideradas normalmente pela autoridade tradicional (sobas), armados de espigardas de repetição. O êxodo da população deu-se após o início das hostilidades em 1966. O Moxico ficou despovoado.
A maior concentração de população situava-se em Gago Coutinho, hoje Lumbala N´Guimbo, com mais de cinco mil habitantes e à volta de vinte e cinco sobas. As etnias eram várias, desde os povos da região, Bundas, Luchazes, Quiocos aos Huambos mais distantes, em convivência pacífica. Existia um posto escolar, uma delegação da Junta Autónoma de Estradas, dois comerciantes com atividade limitada, duas missões religiosas, uma masculina e outra feminina, que mantinham alguns serviços de educação e aculturação. A situação económica das populações era a mais baixa que se pode imaginar. As lavadeiras contratadas pelos militares auferiam algum rendimento. As forças militarizadas autótones tinham também algum rendimento. Os comerciantes íam obtendo algum lucro com as encomendas de marisco e outros  produtos que chegavam no avião Nord Atlas da Força Aérea Portuguesa, a via transportadora do correio que chegava uma vez por semana.
A segunda maior concentração de população era no Sessa, a 90 Kms a Oeste de Gago Coutinho, com cerca de dois mil  habitantes. Havia um comerciante estabelecido ído do Muié, povoação que fora totalmente abandonada. Era transmontano. O Mussuma a sete Kms. da República da Zâmbia continha pouco mais 100 indivíduos quando noutro tempo  mantinha`seis mil habitantes. Outras pequenas concentrações existiam espalhadas pelo território mas não passavam disso mesmo, pequenas concentrações. O sub-sector militar de Gago Coutinho, nos cús de Judas, estava quase deserto.

Era dado ver-se o movimento de tropas fardadas de camuflado munidos de espingardas G3, em cidades, vilas e aldeias nas zonas de conflito armado, no Norte e no Leste daquele território catorze vezes e meia maior que Portugal Continental. Território onde viviam à volta de 600.000 portugueses, a grande maioria na escala social média baixa. A segurança dessa população, nas cidades, nas vilas e aldeias nas zonas de conflito armado dependia desses soldados que traziam da metrópole (Portugal Continental) a vontade de servir e de proteger. Nas estradas de terra batida, nas picadas e trilhos marcados pelos rodados das viaturas, os unimogues, as berliet, os camiões, rompiam a nuvem de poeira provocada pelo andamento das viaturas da frente, poeira que se elevava nos ares e invadia toda a coluna na vida diária de quem exercia a defesa da soberania.
Os gritos de entusiasmo das crianças á passagem das viaturas era esfuziante, "Moio", "Moio", "Moio", gritavam, Só uma criança pode libertar tanta energia contida, num momento. Continua audível a quem viveu esses momentos breves de euforia. "Moio", "Moio Moxico", "Moio" respondiam os militares contagiados.

Infelizmente a grande maioria dos portugueses que pisaram o solo africano em Angola, Moçambique ou na Guiné Bissau eram soldados enviados pelas forças armadas portuguesas para defenderem a soberania de Portugal dos movimentos independentistas. Em Angola foram 14 anos de guerra colonial em que os militares portugueses permaneciam dois anos em comissão de serviço. Regressavam com a visão imprecisa e limitada da grandeza do território e do seu desenvolvimento o que motivava o desinteresse para uma possível projeção de vida. Nas zonas onde a paz imperava, no sul e centro do interior e litorâneo, as cidades, vilas e aldeias cresciam e embelezavam-se, eram lugares onde existia confiança num futuro promissor. Esses soldados regressavam fascinados com a beleza de algumas paisagens idílicas nos espaços visitados, o caso do Dala com as suas cascatas, rápidos e verdura luxuriante, fascinados pela afabilidade das populações que, por temperamento já explicado pelo sociólogo brasileiro Gilberto Freire, os militares se socializavam em conversas amenas e trocas de informação, querendo saber o significado de vocábulos do seu dialeto, ou encomendar algum artigo do artesanato quioco, um povo hábil que elabora peças em madeira para caçar ou pescar, de tamanho natural ou em miniatura, máscaras para as suas danças tradicionais e rostos talhados no pau com perfeição. Os militares lá vinham de vez em quando com novidades:
-Sabem como se diz galinha na língua deles? Cassumbi. E homem forte e alto? Samuconga. E homem alto e magro? Camiramira. E Rapariga bonita? Caféco Chamuanza. E só rapariga, Caféco. E velha? Mana Pó,(corruptela de Mwna Pwo) E velho? Caixa na caixa (corruptela de Gagi n´Gaja).E água? Meia, meia de calçar, diziam. Alguns militares foram mais longe na sua ânsia de conhecer África. África é para se disfrutar, dizia certo amigo militar..
E vai daí improvisa uma rede para capturar uma linda borboleta que esvoaçava no aquartelamento e que se aproximara do arame farpado desaparecendo na vegetação. O inaudito desta situação, já de si algo hilariante, é que correu atrás dela com a rede em riste passando ele também o arame farpado, desaparecendo no mato e das vistas dos companheiros que o esperaram com preocupação. Isto passou-se no Muié em 1968 na zona mais quente do Leste, nos Cús de Judas. Acabou por juntar inúmeras peças de arte quioca ao longo do tempo. Como as deveria condicionar para as poder embarcar? Nem ele próprio sabia responder! O certo é que as embarcou no Vera Cruz no regresso a Portugal em Julho de 1969.

Se foi a mulher que inventou a agricultura, no Moxico foi a mulher que inventou a pesca da tuqueia, um peixe mais pequeno que joaquizinhos criado nas chanas (savanas) alagadas da Cameia no Moxico no tempo da chuva. É pescado por mulheres. Quando as águas descem é vê-los a brilhar ao sol presos nos ramos das bissapas (arbustos), ou caídos no manto seco e gretado do solo, como descreve o estudioso da cultura angolana, o radialista Sebastião Coelho no seu blog. Curiosidade que só os tempos de paz poderiam oferecer e seria possível apreciar, entre muitos outros costumes a descobrir naqueles povos amigos e pacatos. Então o grito Moio, Moio Moxico, Moio, não seria somente lembrado como um grito de satisfação e de liberdade na despedida daquelas terras virgens e selvagens, mas, dupla ironia do destino, como um grito de mágoa, na saudade de muitos e muitos momentos vividos de confraternização, confraternização com um povo simpático, afável e acolhedor que se tornou amigo e que sempre será lembrado.  MOIO, MOIO MOXICO, MOIO.