Memórias e Raízes

quarta-feira, julho 27, 2011

Biografia de JOSÉ JOAQUIM DE MATEUS DA GAMA

Texto de António Gama - Micro-biografia do meu AVÔ PATERNO.

UM POUCO DA SUA HISTÓRIA




José Joaquim de Mateus da Gama, é, sem dúvida, uma das maiores figuras militares de Angola. Homem de alta envergadura moral e intelectual, paladino intemerato que, nas horas decisivas do perigo, sempre se afirmou pelos seus rasgos de audácia, como cavaleiro andante da dignidade nacional.
Pela primeira vez, desde 1885, o Governo de Lisboa, decide encarar de frente o problema da fronteira Sul de Angola, deixando-se, por uma vez, de mais improvisações. Incumbe aos Generais Mateus da Gama e Pereira d´Eça de organizar a expedição, ao mesmo tempo que lhes faculta todos os meios que empresa de tal envergadura exige. Para que mesmo em Angola o empreendimento tenha todo o apoio, Mateus da Gama exerce as funções de Comandante-Chefe e Pereira D'Eça as de Governador-Geral.
Foi necessário, não é demais repetir-se, o sacrifício de colunas inteiras, o martírio de funentes e missionários, a paralização total das trocas comerciais nas regiões em litígio, para que o Governo Central - (Terreiro do Paço - Lisboa) acordasse do sono letárgico de que estava possuído desde 1885, para não ir mais atrás no tempo.
Mateus da Gama - Homem de Angola - tinha um ar marcial e uma vontade férrea, a par de qualidades ímpares de comando que o impunham naturalmente a militares e civis. Disciplinado e disciplinador, mal andava quem desafiasse a sua autoridade.

Do plano de operações de Mateus da Gama, que começara a ser elaborado logo após os trágicos acontecimentos de Naulila e sob o influxo da confiança que lhe fora reiterada pelo Governo Central, fazia parte a ocupação do Cuanhama. Mas, em telegrama de 5 de Fevereiro de 1915, tendo mudado o Ministério, era aceite a sugestão, por ele mesmo apresentada, de, em face da importância das forças em operação, ser confiado o comando a um oficial de grande determinação e de superior patente. Esse oficial foi Mateus da Gama que, por motivo do insussesso de Naulila e da desorganização que dele resultou, encontrou logo de início enormes dificuldades a vencer. «Foi por isso que três longos meses se passaram em trabalhos de preparação e organização, porque tínhamos de garantir condições de vida a 12.000 homens (incluindo uma parte da população civil) e 3.000 solípedes, e eficiência combativa a perto de 5.000 homens que tinham de operar, na melhor das hipóteses, a 500 quilómetros da base de desembarque (Moçâmedes).» Só nesta pequena cidade do litoral, base marítima das operações, encontravam-se, acantonados ou bivacados, dois Batalhões de Infantaria, quatro Baterias de Artilharia e outras Unidades de Artilharia e Metralhadoras; e, além destas, havia tropas espalhadas pelo Capelongo, Cahama, Forno da Cal, Tchiapepe, Otchinjau, Chíbia, Humpata e Lubango.
O problema, sendo efectivamente de caracter material, não o era menos de caracter moral, pois o insucesso de Naulila tivera uma perniciosa influência, não só sobre as forças militares que haviam entrado em acção, mas ainda sobre todas as tropas da retaguarda e sobre as populações civis. A um e outro aspecto era indispensável atender rapidamente e sem a menor hesitação. E foi em luta com obstáculos tremendos - que qualquer outro consideraria invencíveis, - que começou a revelar-se, em toda a sua energia, a personalidade do velho chefe, a quem fora confiada a direcção das operações no Sul de Angola.
Cumpria-lhe recuperar o território abandonado, restaurando assim o nosso prestígio perante o gentio; fornecer aos governadores do distrito elementos para prontamente poderem sufocar qualquer rebelião; e, finalmente colocar as forças de que dispunha em condições de poderem fazer face a qualquer nova investida alemã, vingando o insucesso de Naulila, cooperando tanto quanto possível com as tropas aliadas da África do Sul e preparando simultaneamente a ocupação do Cuanhama.
Nas operações a que a efectivação de tais objectivos daria lugar, impunha-se como primacial a reocupação do Humbe, importantíssimo nó de comunicações, de onde seria possível cobrir o Planalto da Huíla, atacar os alemães, se estes tentassem novas incursões, avançar sobre o Cuanhama e, ainda mesmo, se a ocasião se apresentasse favorável, partir para a invasão da Dâmara.
Agravando a situação, acrescia que, por falta de chuvas, nos últimos quatro anos, reinava a fome no Sul. E, acima de tudo, peando a acção do comando, a nossa posição internacional estava longe de ser definida e em termos de poder determinar, da parte desse mesmo comando, um procedimento pronto, claro e sem hesitações.
Não paravam ainda aqui, porém, os obstáculos com que teria de contar a vontade férrea de Mateus da Gama. Não eram só os Alemães e o gentio rebelado que, após Naulila, haviam praticado atrocidades sobre os europeus, especialmente no Humbe e no Evale; tinha também de estar vigilante para com os Boers, que, à excepção dos mais antigos se achavam prontos a dar as mãos aos alemães, revoltando-se contra nós. Por todas essas razões se impunha, como necessidade premente e imediata, a reorganização das linhas de comunicação, na extensão de 1.200 quilómetros, nos teatros de operações dos vales do Cunene e do Cubango. Para poder deslocar as forças, os abastecimentos e as munições até esses pontos afastados do interior, dispunha-se somente de um Caminho de Ferro de via reduzida, cuja construção à data apenas atingira a base da serra da Chela.
Contava-se que Mateus da Gama, verificando o rendimento quase nulo dessa via, mandara chamar a Vila Arriaga o engenheiro Artur Torres e lhe pusera a questão em meia dúzia de palavras:- necessito de uma estrada que vença rapidamente a serra... e acompanhou as suas palavras do gesto de quem pretendia atacar, à romana, o formidável acidente geográfico que se apresentava à sua frente.- O que V. Exª quer é uma escada e isso eu não sei fazer!...
Mateus da Gama impacienta-se. Encaram-se novas soluções. Em face da grandiosidade do objectivo a alcançar, as duas inflexíveis vontades chegam, por fim, a um acordo conciliatório. E, tendo-lhe sido fornecidos alguns milhares de trabalhadores, dentro de poucos meses o engenheiro Torres - um dos grandes servidores do Sul de Angola - entregava aos comandos das tropas uma estrada que subia a Chela e era, tecnicamente considerada, uma verdadeira maravilha de engenharia.
Em 18 de Abril, Mateus da Gama realiza a sua primeira visita de inspecção às unidades estacionadas no Planalto. Já nessa altura ninguém podia duvidar de que à frente das forças militares se encontrava um homem de rara firmeza e energia, inteiramente disposto a fazer frente a todas as contrariedades e na intenção inabalável de as jugular. Numa reunião de oficiais, convocada no Lubango, o velho chefe, que na alma e no corpo possuía a fibra de um Viso-rei, dissera estas secas palavras: - «Meus senhores, mandei-os aqui reunir para lhes dizer que no meu dicionário foi banida a palavra dificuldade. Podem retirar-se!»
Ía passar à acção. Já no Tchipelongo a marinha, comandada pelo tenente Afonso Cerqueira, trocara os primeiros tiros, em defesa da Missão católica, ameaçada pelo gentio! A atmosfera era de guerra!

Faltava apenas proceder aos necessários reconhecimentos, não só para averiguar da situação, mas ainda para avaliar dos recursos locais. Em 15 de Junho estava Mateus da Gama de novo no Planalto, acompanhado dos seus colaboradores de confiança, visitando a Quilemba, o Lubango, a Chíbia, a Quihíta, os Gambos, o Pocolo e o Tchiapepe, avançando até quase às portas do Humbe, à Cahama e Chicusse! Viajava de qualquer forma: em camião, empoleirado nos sacos de carga, sem cama e sem trem de cozinha. Os chauffeurs civis tremiam de o acompanhar. Sobre alguns que tentaram sabotar os carros para não avançarem, esteve iminente a ameaça de um pronto fuzilamento! O Sul de Angola tinha, finalmente o seu homem, - (um homem de Angola). Os soldados hipnotizados pela sua energia, excediam-se em todos os cometimentos a que metiam ombros.

Para o Alto Cunene partira, em reconhecimento da região Gambos, Mulondo, o malogrado capitão Sebastião Roby, que ali encontrou a morte em luta heroica com o gentio.

E agora, uma vez dada a ordem para a constituição dos destacamentos que haviam de ocupar o Humbe e a Donguena, essas colunas partiram ao seu destino, a primeira comandada pelo coronel Veríssimo de Sousa e a segunda pelo major de cavalaria Vieira da Rocha. Em 7 de Julho as duas forças penetravam no Humbe, cuja Fortaleza e habitações tinham sido pasto do fogo lançado pelo gentio.

Dissolvidos esses destacamentos e constituído o comando militar do Humbe, que foi confiado ao coronel Veríssimo de Sousa, em 9, Mateus da Gama, em pessoa, acompanhado por uma numerosa escolta de oficiais e tropas montadas, atravessou o Cunene, em reconhecimento ao Forte Roçadas, destruído por explosão na retirada que se seguira a Naulila.

De regresso ao Planalto, com o fim de impulsionar a marcha das unidades ali estacionadas, Mateus da Gama é surpreendido com uma notícia que fortemente o contraria. «Recebi no Lubango um telegrama participando que os alemães da Damareland se tinham rendido ao general Botha, e com verdade devo dizer que foi esta a notícia mais desagradável que em toda a campanha me chegou. Mas, como o homem põe e Deus dispõe, necessário era adaptar-me à nova situação, encará-la tal como os factos a apresentavam e tomar imediatamente as medidas correlativas. Ficava só em campo o gentio, tinha-se simplificado consideravelmente a minha tarefa, mas nem por isso ela teria ficado, como à primeira vista poderá parecer, uma tarefa fácil».

Daqui resultou que as tropas que operavam na direcção de Cassinga foram mandadas retroceder para o Capelongo, passando a constituir o destacamento do Evale, além deste, mais três destacamentos se organizaram: o do Cuanhama, o do Cuamato e o de Naulila.

Ao destacamento do Evale competia dirigir-se sobre o Quiteve, batendo o Mulondo e o Cafu, e atravessar o rio Cunene para actuar sobre a embala do Evale; o destacamento do Cuanhama atravessaria o Cunene, no vau da Chimbua, tendo como objectivo a embala de Ngiva, para a conquista do Cuanhama; o destacamento do Cuamato cruzaria o Cunene junto ao Forte Roçadas, procurando reocupar o Forte do Cuamato; e, finalmente, o destacamento de Naulila desceria pela margem direita do Cunene, operando na região da Hinga e dirigindo-se depois ao Cuamato, em cuja coluna se encorporaria. O Quartel General mantave-se nos Gambos, a utilizar os preparativos das operações, e deslocou-se em 6 de Agosto para a base geral do Humbe.

Mateus da Gama acompanhava o destacamento do Cuanhama, escolhendo para si o Posto de maior responsabilidade: «Tudo me levava a crer que o destacamento do Cuanhama seria o que encontraria maior resistência, por isso o acompanhei».

Preparando e esclarecendo o avanço das colunas, haviam sido lançados para a frentes pequenos reconhecimentos,que, nem por serem de pequena guerra, deixaram de ter marcado valor. Desde fins de Janeiro que o alferes Sarmento Pimentel policiava os caminhos que da Cahama conduziam ao Cunene, estendendoo a vigilância pela Donguena e foz do rio Ondoto. A sua descoberta, dirigida sobre os vaus de Schwartz-Boy-Drift e Calueque. figura como serviço de raro mérito, pela valentia e resistência manifestadas pelos seus executantes: «Nem a fome nem a sede abateram a moral dos soldados que, durante dois dias, comeram carne de zebra com fava e milho cozidos, bebendo água detestável».
Em 7 de Julho iniciava este audacioso oficial, à testa dos cavaleiros boers, uma luta irregular de surprezas, de incursões fulminantes, aparecendo, ainda, de noite em frente das libatas. «Os boers, - afirmava no seu relatório - são bons guias e auxiliares desembaraçados, conhecem como ninguém o Sul de Angola, são todos afrikanders, desejando acima de tudo a independência do Transval os antigos, da União Sul Africana os novos. Alguns deles eram afectos aos Alemães, por estes lhes prometerem a independência, e outros a troco de recompensas». Terminados os trabalhos preparatórios, as colunas partiram do Humbe ao seu destino.
A coluna do Cuamato passa o Cunene e alcança em 13, o Aucongo, com ligeira resistência do gentio, atingindo sucessivamente o Damequero e a Inhaca e entrando no Forte do Cuamato em 15. O Forte, embora saqueado, não fora desmantelado, mas os edfícios do comando e os particulares achavam-se em ruínas. A coluna do Evale, tendo partido do Mulondo em 11, atingiu o seu objectivo, sem maior resistência, havendo encontrado em bom estado as fortificações do Quiteve, Cafú e Evale. Por sua vez o destacamento de Naulila atingia o Vau Calueque, batendo, juntamente com os auxiliares boers, a região da Hinga e estacionava no local de combate de Naulila. A descrição do terreno da acção atinge proporções verdadeiramentes arrepiantes e macabras: «Os Portugueses mortos em combate parece-me estarem enterrados no fosso da Fortaleza, por alguns vestígios de roupas e tendas rasgadas que lá existem. Também se vêm numa árvore caída perto do Forte, seis cordas pendentes que serviram para enforcar gente...uma delas ainda segura uma cabeça, que é de um preto». Ali tinham padecido morte ignóbil os heróicos Landins de Moçambique, que se haviam batido como leões, sem que tivesse havido respeito pela sua qualidade de soldados, regulares e uniformizados.
Na coluna do Cuanhama, a mais forte de todas, por ter de se defrontar com a maior resistência, ía encorporado o Quartel General de Mateus da Gama. Tendo saído em 12 do Humbe, atravessou o Cunene no Vau de Chimbua e cursou dificultosamente as chanas arenosas das Palmeiras, da Garrafa, da Cachaqueira e da Cauncula. As patrulhas da cavalaria de segurança informaram que os Cuanhamas se concentravam junto das cacimbas da Môngua. E no dia 17 o destacamento, ainda em marcha, viu-se forçado a adoptar o dispositivo de combate.

Na manhã de 18, um pelotão de infantaria indígena de Moçambique, acompanhado pelo valoroso tenente Humberto de Ataíde, Comandante da Companhia saía para ocupar as cacimbas e para reconhecer o local mais conveniente para a construção de um Forte. E,logo na orla do mato, foi violentamente atacado, vendo-se forçado a retirar. O mesmo aconteceu aos auxiliares indígenas do capitão Ferreira do Amaral, que haviam saído do quadrado para verificar a direcção da retirada do inimigo.

Dois Esquadrões de Cavalaria penetram no mato, onde encontram viva resistência, tendo sofrido baixas, entre os quais o alferes Damião Dias, cujo cadáver foi mais tarde encontrado, barbaramente mutilado. O regresso da Cavalaria ao quadrado, depois de ter repelido vitoriosamente o inimigo, dá origem a manifestações de entusiasmo. O grande consumo de munições exigia contudo pronto reabastecimento. O alferes Costa Andrade parte de camião para a base do Humbe a reclamar o envio de munições, especialmente de artilharia, víveres e água, sendo encarregado de mandar transmitir ao destacamento do Cuamato a sugestão de efectuar uma demonstração sobre Ngiva, a fim de provocar a divisão das forças inimigas. No dia seguinte o valoroso oficial regressava ao quadrado, conduzindo um comboio de três camiões, com munições, víveres e forragens. A falta de água, porém, continuava a fazer-se sentir duramente. Por isso, em 19, o quadrado tentou pôr-se em marcha na direcção das cacimbas, tendo, todavia o seu movimento ter sido detido por forte resistência inimiga; uma nova tentativa de deslocação foi coroada de êxito, apesar da viva reacção dos Cuanhamas, tendo-se conseguido atingir as cacimbas; após o que as forças se entricheiraram no terreno.
A meio da noite deu-se o alarme. E, logo de manhã, a face da frente teve de repelir um ataque, que se estendeu para a esquerda, com tentativas improfícuas de envolvimento sobre a retaguarda. O fogo manteve-se vivo durante duas horas e, sempre que este afrouxava, ouviam-se claramente os cânticos de guerra do gentio. À falta de cavalaria, do quadrado partem, em carga à baioneta, fracções de infantaria e marinha, que atacam a fundo, penetrando na espessura do arvoredo.
Tinha sido um dia inteiro de luta. Mateus da Gama, percorreu, por entre aclamações, as faces do quadrado, felicitando as tropas pela sua bravura.
Mas, apesar das vantagens alcançadas, a situação da coluna era grave: faltavam víveres
e da retaguarda já há dias que não chegavam qualquer socorro. A cominicação enviada pelo major Ortigão Peres, aos serviços de etape do Humbe, traduz eloquentemente essa stuação: «Esperamos que todos os esforços tenham sido feitos e continuem a fazer-se para que eles (os víveres) nos cheguem sem demora, Além de forças do Cuamato e do major Reis e Silva, pode V. Exª. lançar mão das de Naulila (empregando especialmente o alferes Sarmento e os seus Boers), na segurança da linha de comunicações. Temos feito todos os esforços para comunicar com V. Exª. Antes de ontem partiu um camião com uma metralhadora e uma força comandada por um valente sargento da armada e ontem à noite partiu um serviçal de José Guerreiro com uma nota minha para V. Exª. Hoje esta nota é escoltada por uma força constituída por três camiões com duas metralhadoras e trinta praças comandadas pelo tenente Roma. O conselho de oficiais, ontem reunido, resolveu quase por unanimidade que fiquemos aqui quase até à última extremidade, e, como disse na minha anterior nota a V. Exª. mesmo uma retirada só a podíamos fazer protegidos por tropas vindas da retaguarda e representaria um gravíssimo desastre, sob todos os pontos de vista».

Ao ter conhecimento da situação o coronel Veríssimo de Sousa, comandante do destacamento do Cuamato, assistido eficazmente pelo capitão Esteves de Mascarenhas, não hesitou, encarando-a corajosamente. Exigia-se, para salvação dos seus camaradas, que o destacamento realizasse um esforço sobre-humano; e ele soube cumprir plenamente o seu dever. Das sóbrias palavras do seu relatório, pode adivinhar-se o sacrifício das tropas que comandava: «toda a abnegação, toda a boa vontade, toda a coragem com que suportaram as enormes fadigas e privações, desde a falta de água e insuficiência da ração, até essa penosíssima marcha, quase sem dormirem e descansarem»!

Essa deslocação de forças, realizada energicamente, através de terras de sede e com os maiores sofrimentos, em direcção ao Forte Roçadas e daí, pelo Vau da Chimbua, para a Môngua, onde entrou em formação de combate, com o comboio de reabastecimento no interior do quadrado, é, no dizer de um distinto oficial, a mais notável das marchas das nossas campanhas coloniais.

Uma vez restabelecidas as comunicações, começaram a chegar à Môngua, onde a toda a pressa se construía um Forte, notícias que davam o Soba Mandume como refugiado na Donga, procurando o abrigo da soberania inglesa.

Efectivamente, no dia 31 de Agosto, apresentava-se no acampamento um emissário, com uma carta do major Pritchardt, oficial encarregado dos negócios indígenas do Sudoeste Africano, na qual se oferecia a Mateus da Gama como medianeiro, declarando-se animado do «desejo muito sincero de prestar todo o auxílio possível em assegurar, o mais rapidamente possível, a terminação das hostilidades, evitando-se assim o derramamento de mais sangue».

Mateus da Gama responde cortesmente, apressando-se porém a desfazer um ligeiro equívoco em que o oficial inglês estava laborando: «Não se trata de hostilidades entre as forças do meu comando e as do chefe da nação Ovampo, e sim do facto das forças do meu comando, atravessando território incontestavelmente português, serem atacadas por gentio que têm como Soba o Mandume». Não eram operações entre forças de dois exércitos independentes, mas sim pura rebelião, que se tornava indispensável subjugar.


RELATO DA HISTÓRICA BATALHA DA MÔNGUA


De posse de elementos considerados necessários para uma avaliação rigorosa da situação, Mateus da Gama, fez avançar a coluna em que se incorporou, mas cujo comando directo foi cometido ao coronel Veríssimo de Sousa. A marcha das tropas foi praticamente um passeio até 7 de Julho, data em que foi ocupado sem resistência o Humbe conjuntamente com as forças do major Vieira da Rocha. Este partiria dos Gambos, ocupara Otchinjau e a Donguena, restabelecendo assim a soberania de Portugal naqueles territórios.Fixando o Quartel General no Humbe, Mateus da Gama põe em movimento a máquina que montara meticulosamente no Lubango; expede ordens para que as forças de Cassinga, já chegadas ao Mulondo, desçam o Cunene; organiza a coluna para ocupar o Cuamato, sob o comando do coronel Veríssimo de Sousa; e confia ao tenente Amorim a missão de retomar Naulila.
A coluna principal é confiada ao tenente-coronel Caldas que tem por missão reduzir as forças do Mandume.

Esta pluralidade de ataques visa distrair os Cuamatos, Evales e Cafimas, para que não vão engrossar os efectivos do Caudilho Quanhama, o terrível Mandume.

Assim a 12 de Agosto de 1915 partem as colunas para os seus respectivos destinos, Simplesmente, enquanto os objectivos secundários (Cuamato, Evale e Cafima) são conseguidos com relativa facilidade, o objectivo principal (o Cuanhama) depara dificuldades quase insuperáveis. E isso porque o astuto Mandume se apercebera da estratégia traçada pelo staff do Estado-Maior.

Mateus da Gama congrega todas as forças para junto de si e prepara-se para a batalha das batalhas que ele próprio sabe ser decisiva. Nela joga o tudo por tudo.As planuras da Môngua vão assistir a uma luta de gigantes em condições extraordinariamente desvantajosas para os portugueses, que dificilmente suportaram as temperaturas do Cuanhama, que chegaram a atingir os 50 graus centígrados.

A 17 de Agosto de 1915, com as cacimbas (poços artesianos) da Môngua à vista, as tropas de Mateus da Gama deparam finalmente com o inimigo; este, sabedor da importância que a água, naquela semi-desértica região tem para a sobrevivência de homens e animais, desencadeia de imediato um ataque vigoroso, que se prolonga sem quebra de ânimo pelos dias 18 a 23 de Agosto, apesar das pesadíssimas baixas que sofre nas suas fileiras, onde por vezes se abrem autênticas clareiras.

Do nosso lado, logo a 18, há a lamentar a morte do major Pala, capitães Cortez e Pires Monteiro, membros do Estado Maior, além do alferes Mateus - (sobrinho do General Mateus da Gama) - e de outros graduados; a 19, a morte do capitão Sousa e do tenente Passos e Sousa; a 20, um ferimento extremamente grave do tenente Ataíde Pereira.

Ainda a 20, a nossa coluna corre o risco de sossobrar. Mandume desencadeia um ataque contra os comboios que ligam à retaguarda e garantem o apoio logístico aos Expedicionários, conseguindo isolar as forças de Mateus da Gama.

A partir daquele dia e até 24 de Agosto, privados de tudo, mortos de sede e de fome (os solípedes tinham sido quase todos dizimados pelos Cuanhamas), só prodígios de energia e acções heróicas conseguiram evitar um morticínio que, a dar-se, seria certamente o maior da nossa história! Felizmente, o oficial encarregado das comunicações no Cunene, apercebe-se da situação e organiza rapidamente uma coluna de socorro que, a golpes de audácia e rasgos de heroicidade, quebra o cerco e abastece as nossas tropas.

Mandume avalia a situação, faz um balanço das enormes perdas que o seu exército sofreu, conclui que a batalha está irremediavelmente perdida, perdida que fora a última chance com a derrocada do cerco aos portugueses. Nada mais lhe resta do que abandonar a contenda, fugindo à frente dos seus guerrilheiros. A batalha terminara e a Môngua tornara-se um local histórico!
Nesta cruenta batalha, o General Mateus da Gama, com a saúde depauperada, com sede e fome, por não querer ter um tratamento diferente dos seus soldados, com o exemplo da sua inquebrantável vontade, com a dignidade do seu porte, conseguiu galvanizar os seus comandados, dos oficiais mais graduados ao soldado mais humilde.


EMBALA E QUARTEL GENERAL DO MANDUME


- A OCUPAÇÃO DA N´DGIVA -


Apesar de tantas privações, com prodígios de vontade, Mateus da Gama, logo que, a 27, chega o Esquadrão de Dragões do Evale, ordena a marcha para a Embala do Mandume. Durante o percurso, cria, de acordo com o Governador, general Pereira d´Eça, os Postos Administrativos do Dombe, Bulugunga e Oxinde. Na manhã de 2 de Setembro as tropas portuguesas iniciam o avanço sobre N´Dgiva, capital do Cuanhama, passando por Buluganga e Oxinde. A cavalaria repele as pequenas resistências esboçadas. Finalmente a 4 de Setembro de 1915, pelas 14 horas e 30 minutos, o capitão Ramalho Ortigão, Oficial às ordens de Mateus da Gama pode vangloriar-se de ter sido o primeiro soldado português a entrar na Embala da N´Dgiva, que encontrou vazia, porque Mandume, à aproximação das nossas tropas, lançou fogo à sua Capital. Essa marcha, executada em condições terríveis de calor, de sede e de fadiga, constitui a última e uma das mais penosas provas a que as tropas portuguesas foram sujeitas na dura campanha do Cuanhama. Terminadas as operações, o território reconquistado, ficou dividido nas zonas militares do Humbe, Cuamato, Cuanhama e Evale, sob o comando superior do major Pires Viegas, com sede no Cuanhama. Assim se podem considerar como completadas em Angola as lutas da Ocupação, estabelecendo para Sul, até à fronteira determinada pelo Tratado de 30 de Dezembro de 1886, a nossa acção Política e Administrativa. E, como sempre na nossa história colonial, à Ocupação seguiu-se imediatamente a Pacificação. O gentio em massa apresentou-se ao vencedor, confiado na sua clemência e espírito de humanidade. Mandume fora derrotado e, com ele todo o povo Ovampo. Pela primeira vez a fronteira sul é de direito e de facto, para sempre, a resultante dos convénios de 1886. Mateus da Gama, traçadas as linhas mestras para a Administração Política e Militar do Sul de Angola, agora como sempre, com a consciência de mais um dever cumprido, é forçado a deslocar-se à Metrópole para cuidar da saúde, pois a mesma estava tremendamente abalada pela extrema dureza da Campanha. Pelo seu esforço e pelo sacrifício das suas tropas, entregava ao País uma área de 60.000 quilómetros quadrados, para sempre ocupada. Uma nota a terminar: A verdadeira beneficiária da Expedição vitoriosa do general Mateus da Gama, foi, sem dúvida Angola, ao ter-se garantido a Fronteira Sul, que de outro modo teria sido Anexada pelo Sudoeste Africano...